quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O Encantamento do Cinema

As principais opções, hoje em dia, são as seguintes: Uma entrada em uma sala de cinema mais ou menos ordinária custa 16 reais, a menos que você tenha uma carteirinha de estudante falsa; o que se pode fazer também, comprar um pirata no camelô e assistir no espaço privado da sua casa; outra alternativa não tão freqüentada: mostras culturais de cinema, onde infelizmente filmes de poucos são transmitidos a poucos; por fim, se nenhuma dessas opções se tornar possível, chegamos à última, pegar um dubladão de Hollywood na globo.
A nós, nenhuma dessas opções agrada. E frente ao nosso desagravo, ensaiamos um gesto mínimo, mas para nós repleto de grandeza: nos munimos de duas mochilas, e resolvemos carregar nas costas o nem tão pesado fardo de levar o cinema até as pessoas. Na mochila cinza, um projetor, a peça central de todo o negócio, mais os seus respectivos cabos. Na mochila preta um amplificador, duas caixas de som, extensão. Ah, um lençol de casal, a nossa tela. Somente isso, e quatro pernas para levar mais de quarenta DVDs que partiram de São Paulo, Brasil, para se espalhar por todos os cantos.
A troca, sem dúvida, é muito mais profunda que simplesmente “passar uns filmes”. Apesar de ser, “simplesmente”, isso. Trata-se de conectar pessoas que deveriam saber umas das outras, através de documentários e filmes de ficção. Levar um documentário feito pelos índios Guarany-mbya do Brasil para os seus primos distantes do Paraguay, como aconteceu na nossa segunda sessão. Uns e outros se vendo na tela. Criar redes, trazendo através das imagens contribuições culturais e políticas aos mais variados contextos.
Mas o momento de armar os equipamentos é apenas um nó da teia que é o cine-viajero. Sem dúvida um nó importante, mas não o único. Quando dois jovens moradores da província de San Pedro, no Paraguay, copiam nossos vídeos para levar para as suas comunidades, ou quando somente lhes mostramos vídeos de capoeira, o que lhes abre as portas para o universo cultural brasileiro, o cine-viajero já está acontecendo. Quando anexamos filmes novos ao nosso repertório, de cineastas que nunca conseguiram divulgá-los e os levamos até onde pode existir um público interessado neles...
Apostamos no poder de encantamento do cinema: em um mundo superpovoado por imagens, cujo excesso mesmo termina por nos cegar, carregamos a bandeira da imagem relevante, da imagem como troca. Queremos encher de sentido a cumbuca da experiência do assistir, até ela derramar. Devolver o cinema à praça, onde ele começou e de onde nunca deveria ter saído; partilhar, a partir do chão em que se senta, o que ainda há para se ver. E testemunhar, sempre, o olhar que abre, nunca aquele que enclausura.