quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Cinema, capoeira e gripe porcina

Uma semana e meia de produção – justamente um intervalo paulistano – e saímos eu e André (aka King Kuã, aka Pouca-fé, aka Dedo) fazer o cineviajero por aí e por primeira vez.

Tomamos o caminho do sul, e com um nome de rua incerto na cabeça, fomos buscar o que decidiu-se como prelúdio das terras hermanas: conhecer os angoleiros sim sinhô de Floripa, e aí, quem sabe, entre uma vadiagem e outra, projetar sobre nosso lençol branco algo ao som do berimbau.

E foi num dia de Afoxé, conduzido pela visita de Mestre Môa do Katendê, com puxadas de rede e cantigas do mar, que o cineviajero estreou – e não poderia ser mais certeiro: Barravento. Se nessa capoeiragem todos já tinham visto e revisto a vida pela capoeira de Pastinha (um doc na manga que tínhamos para a ocasião), só de nome conheciam o longa de estréia de Glauber. E conhecer de vista foi bom. “Olha o mestre Canjiquinha ali!”, “Esse eu conheço, é o Boca de Ferramenta!” Ou: “Esse Pitanga é um traíra!” Porque não era só reconhecer os capoeiras das antigas, a adesão ao filme acontecia também nesse vai e vem das imagens agitadas pela contradição entre o enredo que faz do candomblé misticismo alienante, e o olhar que o afirma e enaltece.

Começamos com miradas novas para essas imagens, miradas de crianças catarinenses que tinham acabado de cantar a puxada de rede que depois viram com o Barravento soprando na tela... - Iê, viva o cinema novo! - Iê, viva o cinema novo, camará!



Porcina

E depois? Depois era Corrientes, província rebelde da Confederação Argentina, onde Ña Lucía nos esperava em sua E.F.A (escola rural da família agrícola) com seus alunos e uma semana de projeções. Mas não foi. Não foi porque o país dos boludos padeceu sob pesada ditadura da gripe “porcina”, como dizem por allá. Férias antecipadas e reuniões públicas proibidas. Foi rasteira bem dada pelo mais político vírus dos últimos tempos, parece que feito sob medida para abafar escândalos parlamentares e coibir o encontro, o espaço público. Em julho de 2009, na Argentina, a TV ganhou os olhares de solidões em quarentena e a direita as eleições de uma população com medo de abraços e apertos de mão.

O Encantamento do Cinema

As principais opções, hoje em dia, são as seguintes: Uma entrada em uma sala de cinema mais ou menos ordinária custa 16 reais, a menos que você tenha uma carteirinha de estudante falsa; o que se pode fazer também, comprar um pirata no camelô e assistir no espaço privado da sua casa; outra alternativa não tão freqüentada: mostras culturais de cinema, onde infelizmente filmes de poucos são transmitidos a poucos; por fim, se nenhuma dessas opções se tornar possível, chegamos à última, pegar um dubladão de Hollywood na globo.
A nós, nenhuma dessas opções agrada. E frente ao nosso desagravo, ensaiamos um gesto mínimo, mas para nós repleto de grandeza: nos munimos de duas mochilas, e resolvemos carregar nas costas o nem tão pesado fardo de levar o cinema até as pessoas. Na mochila cinza, um projetor, a peça central de todo o negócio, mais os seus respectivos cabos. Na mochila preta um amplificador, duas caixas de som, extensão. Ah, um lençol de casal, a nossa tela. Somente isso, e quatro pernas para levar mais de quarenta DVDs que partiram de São Paulo, Brasil, para se espalhar por todos os cantos.
A troca, sem dúvida, é muito mais profunda que simplesmente “passar uns filmes”. Apesar de ser, “simplesmente”, isso. Trata-se de conectar pessoas que deveriam saber umas das outras, através de documentários e filmes de ficção. Levar um documentário feito pelos índios Guarany-mbya do Brasil para os seus primos distantes do Paraguay, como aconteceu na nossa segunda sessão. Uns e outros se vendo na tela. Criar redes, trazendo através das imagens contribuições culturais e políticas aos mais variados contextos.
Mas o momento de armar os equipamentos é apenas um nó da teia que é o cine-viajero. Sem dúvida um nó importante, mas não o único. Quando dois jovens moradores da província de San Pedro, no Paraguay, copiam nossos vídeos para levar para as suas comunidades, ou quando somente lhes mostramos vídeos de capoeira, o que lhes abre as portas para o universo cultural brasileiro, o cine-viajero já está acontecendo. Quando anexamos filmes novos ao nosso repertório, de cineastas que nunca conseguiram divulgá-los e os levamos até onde pode existir um público interessado neles...
Apostamos no poder de encantamento do cinema: em um mundo superpovoado por imagens, cujo excesso mesmo termina por nos cegar, carregamos a bandeira da imagem relevante, da imagem como troca. Queremos encher de sentido a cumbuca da experiência do assistir, até ela derramar. Devolver o cinema à praça, onde ele começou e de onde nunca deveria ter saído; partilhar, a partir do chão em que se senta, o que ainda há para se ver. E testemunhar, sempre, o olhar que abre, nunca aquele que enclausura.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Pra começar: Chaplin

Abrindo e bombando em quases todas as sessões. 90 anos. Novíssimo.